Quarta-Feira, 01 de Maio de 2024

Entenda como o Pará se tornou passagem obrigatória das rotas de cocaína para o resto do Brasil




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De países como Colômbia, Peru, Bolívia e Venezuela, passando por cidades da Amazônia brasileira até o resto do país. Assim é a rota do narcotráfico na Amazônia Legal, por onde passam, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 40% das duas mil toneladas de cocaína produzidas por ano no mundo. O estado do Amazonas é o principal ponto de entrada no Brasil, mas o Pará é a peça-chave, visto por cientistas como "passagem obrigatória" da droga que é transportada, a partir do estado, por terra, água e pelo céu.

Esta é a segunda de uma série de três reportagens sobre o crime organizado, suas redes interestaduais e rotas de tráfico, que partem da Amazônia Legal, mais especificamente do Pará, para o resto do país. Na primeira, entenda por que chefes do tráfico migram do PA ao RJ.

Nesta reportagem, veja as rotas do narcotráfico pela Amazônia; como cidades do Pará funcionam como nós dentro do fluxo do tráfico para outras regiões; e ainda os impactos deixados nestes municípios que são considerados "passagem obrigatória" da cocaína.

Um estudo desenvolvido na Universidade Federal do Pará (UFPA) desenha, no mapa da Amazônia Legal, quatro importantes rotas do tráfico de cocaína, percorrendo rios e estradas até culminarem em cidades paraenses: em especial, Altamira e Barcarena. A partir delas, a droga segue para outras regiões brasileiras e até para o exterior, saindo por portos, estradas e aeroportos - confira no mapa:

O mapa foi extraído do estudo "Ouro de Tolo - a região metropolitana de Belém em face das dinâmicas territoriais do tráfico internacional de cocaína", autoria de Roberto Magno, mestre em segurança pública e membro do Laboratório de Pesquisas em Geografia da Violência e do Crime da Universidade do Estado do Pará (Uepa).

Ele explica que as redes interligam traficantes faccionados, e também criminosos independentes, incluindo até políticos, que atuam sem limites de fronteiras entre os estados brasileiros e países da América Latina. "É uma grande rede, e que não para. Até detectei no estudo casos de traficantes cariocas que atuaram no estado do Pará para controlar grandes remessas de drogas e armas para o Rio de Janeiro, e vice-versa. Isso mostra o funcionamento de uma rede, que é muito dinâmica, e que sempre vai buscar a maior facilidade".

"Se for mais fácil entrar com armas pela Amazônia, eles vão trazer pra cá e deslocar para o Rio de Janeiro. Um caso foi a apreensão de mais de uma tonelada de cocaína sob comando de traficante carioca, que se deslocou ao Pará, e aqui ele até ficou em um condomínio de luxo em Belém. A apreensão foi em 2021, em ação conjunta das polícias dos dois estados".

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, a Amazônia é marcada pelo narcotráfico e o crescimento de facções criminosas. O relatório aponta a região como "forte corredor geográfico de transporte de cocaína de origem andina para o Brasil, Europa e África" e as facções como um "fenômeno recente que mostra o interesse de grupos ligados ao crime organizado em estabelecer conexões com as cidades da região.

De acordo com o anuário, o estado do Amazonas é principal porta de entrada da cocaína produzida no Peru e da maconha do tipo skank, conhecida como "supermaconha", com origem na Colômbia.

A entrada ocorre principalmente pelo rio Solimões, palco da rivalidade entre a associação Família do Norte (FDN) e facção Primeiro Comando da Capital (PCC); e o rio Javali, que é zona de conflitos entre estas duas mesmas facções, e mais “Os Crias” - reunindo ex-membros da FDN.

Já no Pará, o relatório indica, especialmente, a cidade de Altamira como "grande área de trânsito onde rios, estradas e aeroportos particulares são utilizados por narcotraficantes para transportar a cocaína".

O município, que é o maior do Brasil em território, também é marcado pela disputa de facções rivais: o Comando Vermelho (CV) e o Comando Classe A (CCA) - as duas facções que entraram em briga dentro do presídio, onde ocorreu um massacre em 2019 deixando 62 mortes.

Mas os estudos de Magno vão além. As rotas traçadas chegam até a região nordeste do estado, mais especificamente no porto de Vila do Conde, em Barcarena (que passou este ano a integrar a região metropolitana de Belém). Das duas cidades, a cocaína é transportada para fora da Amazônia.

No trabalho, ele ainda apresenta municípios, que cercam Barcarena, como Abaetetuba, Bujaru e Igarapé-Miri, que atualmente estão marcados pela forte presença de traficantes membros de facção. Em março deste ano, a polícia do Pará prendeu 40 investigados por ligação às facções. Foram seis grandes operações em diferentes municípios. Apenas em Abaetetuba, município vizinho de Barcarena, foram 14 prisões.

O delegado geral de Polícia Civil, Walter Resende, explica que as operações miram "o movimento de reorganização do grupo criminoso, após a morte do principal líder paraense, que estava no Rio de Janeiro”. Números levantados pelo pesquisador apontam, diretamente, a presença dos traficantes na região de Barcarena a partir da taxa de presença de quilos de cocaína a cada 10 mil habitantes entre 2018 e 2021. Dos quatro municípios paraenses com maior presença da droga no período, um é Barcarena; dois são municípios próximos, Bujaru e Igarapé-Miri; e o quarto é Tucumã, mais próximo de Altamira.

Controle das fronteiras -  "A complexidade (...) na Amazônia envolve uma rede de criminosos que estão relacionados tanto ao narcotráfico, quanto aos crimes ambientais, e esta dinâmica fragiliza as políticas de segurança pública. (...) O enfrentamento da mesma, portanto, deve perpassar pelo enfrentamento ao crime organizado", cita o Anuário.

Partindo disso, grupos ligados ao tráfico do Sudeste, como o CV, com predominância no RJ, e o PCC, em São Paulo, mantém interesses no controle da fluidez da droga, já que para chegar à região, ela precisa passar pelas áreas de fronteira na Amazônia. Por isso, segundo Magno, traficantes paraenses se tornam influentes. QG do tráfico: foragidos de outros estados usam o RJ para expandir negócios e como refúgio contra a polícia e quadrilhas rivais

Um desses traficantes - que chegou a ser um dos mais procurados do país e que comandou ao menos 40 ataques a agentes de segurança no Pará - foi Leonardo Costa Araújo, o Léo 41, morto em uma megaoperação no Complexo do Salgueiro. A ação integrada entre as polícias do Pará e do Rio de Janeiro também expôs forte presença de paraenses nos morros cariocas. Dos 13 mortos na operação, nove eram naturais do Pará. O grupo estava entre cerca de 150 paraenses escondidos nas favelas do RJ.

O titular da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup) do Pará, Ualame Machado, disse que o resultado da operação foi "um golpe certeiro para neutralizar a liderança do crime organizado no Pará". "Essa organização (CV, no caso) trabalha com domínios de territórios no Pará, o que vinha favorecendo a ação do crime. Foi uma operação organizada há vários meses, mas deixou claro o forte poder de fogo dos criminosos".

Combate a nível federal -Robson Rodrigues, coronel da reserva e antropólogo especialista em segurança pública, do Laboratório de Análise da Violência na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entende que o tráfico transnacional supera as competências das polícias dos estados, cujo maior enfrentamento deveria ocorrer no âmbito federal. "Mas a Polícia Federal ainda enfrenta dificuldades, em relação ao efetivo e estrutura, a fim de mapear o tráfico de armas e drogas", ele conclui.

"A corporação ainda não consegue dar conta do grosso do tráfico que envolve até portos, aeroportos, rotas interligando os estados, e não dá conta, inclusive, de produzir e disponibilizar um sistema de estatísticas das suas apreensões e prisões. Essas fragilidades também oportunizam essa rede do crime, que inclui até migrações de traficantes entre os estados". A reportagem responsável pela matéria procurou a PF e o Ministério da Justiça e Segurança Pública para comentarem sobre a atuação contra o crime organizado interestadual, mas ainda aguardava resposta até a publicação da reportagem.


Autor:AMZ Noticias com G1


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